sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O carro queimou!

A onda de violência no Rio de Janeiro essa semana fez me pensar o quanto o Brasil precisa mudar ou se é possível mudar. Já diz o ditado, violência gera violência. Mas o que me inspirou escrever esse post foram os inúmeros carros e ônibus queimados.
Veja a foto abaixo:


Há um mês atrás, o meu chefe veio passar uma semana aqui para ministrar um treinamento. No fim da tarde, estamos na sala trabalhando no computador e começamos a ouvir um tumulto do lado de fora. Como nossa casa fica a beira da estrada, de vez em quando acontece de passar um bando de gente fazendo barulho, falando alto. Então pensamos que era mais um desses movimentos. Contudo, a zoeira não diminuía, resolvi olhar pela janela do quarto e vi uma nuvem de fumaça. Pensei, estranho estão a queimar lixo na rua? Mas deixei para lá.
Alguns minutos depois, já escuro, fui chamado no hospital para avaliar um doente. Quando entro na ambulância que veio me dar carona (para andar 200 metros – que folga!), o motorista me pergunta: “viste o carro a arder?” Surpreso, eu respondo: - não, aonde? – “Aqui do lado da sua casa, em frente da igreja”. Então ele dá meia volta e há 20 metros da minha casa o carro em fumaças, igual aqueles que vimos nas cenas dessa semana na televisão no Rio, mas ao lado da minha casa.
Pelo menos, depois soube da história. Diferentemente do Rio, o carro pegou fogo por causas naturais, ou seja, por falta de manutenção adequada e não por bandidagem. Pena para a dona, viúva, que contava com o carro para fazer suas compras e dependia do filho, alcólatra, para dirigir e fazer manutenção do carro.
Depois lembrei que quando a gente anda pelas ruas de Maputo, é comum vermos esqueletos de carros no meio das ruas. Alguns com tijolos como rodas. Outros, queimados como aquele.
Graças a Deus, dois dias depois, os responsáveis vieram e retiraram aquele esqueleto carbonizado do acostamento do lado de casa. Pelo menos deu tempo de tirar essa foto e registrar esse fato que não acontece apenas no Rio de Janeiro, mas também em Chicuque. Espero que essa onda acabe logo.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Nomes Próprios Moçambicanos

É interessante o quanto a gente aprende a respeito de uma cultura a partir dos nomes próprios.
Em Moçambique sempre me surpreendo com esse assunto e a cada dia aprendo uma coisa nova. O interessante é que aqui também  foi colônia portuguesa e fala português, mas tem características dos nomes tão diferentes do Brasil. É claro, que como os nomes brasileiros têm influência das línguas indígenas, aqui os nomes também têm influências dos dialetos e das tribos africanas. Mas não é só isso. Ainda existe a influência da língua inglesa (África do Sul), dos indianos e de nomes cristãos (comuns também no Brasil) e dos mulçumanos (árabes).
O primeiro ponto de interesse é o processo de nomear as pessoas. Diferentemente do Brasil que os pais começam a escolher o nome do filho ou da filha muito antes de nascer, por aqui, isso só é revelado, na maior parte dos casos, quando o bebê completa 1 mês de vida e é oficialmente apresentado aos familiares. Até lá o bebê é tradado como “inominado de fulana de tal”.
Em segundo lugar está a marca da sociedade paternalista. Como no Brasil, os nomes e sobrenomes paternos são os normalmente herdados. Contudo, por aqui, quase todos os filhos e as filhas herdam o primeiro nome do pai. Assim, se o pai chama Pedro e a filha Maria, o nome completo será Maria Pedro (mais o sobrenome – aqui chamado apelido, normalmente um nome tribal, familiar, também paterno). Nos casos de mãe solteira a Maria filha da Marta vai se chamar Maria da Marta, bem lógico.
Outro ponto cultural que eu demorei acostumar ou entender é uma pessoa que não tenho intimidade, chegar e me chamar de pai ou de filho. A lógica também é simples. Se o nome do pai da Maria é Eduardo ela chega e me chama de pai, do nada, mesmo sendo mais velha do que eu. A mesma coisa acontece se o nome do filho for esse, o meu título para ela será filho.
Agora quanto aos nomes propriamente ditos, como no Brasil, aqui encontro cada um. É comum o uso de nomes com algum significado. Assim, sempre encontramos uma Esperança ou uma Felicidade. Ou um Sete ou um Relógio. Mas também nomes ingratos como Castigo são comuns. De uma lista de nomes de pacientes que eu tenho, os nomes masculinos mais comuns são: Alberto, Antônio, Acácio, Armando, Augusto, Carlos, Enosse, Ernesto, Eugênio, Hilário, Januário, João, José, Samuel, Simião, Zaqueu. Os nomes femininos mais comuns são: Admira, Amélia, Artimisa, Esperança, Felizarda, Florinda, Graça, Isabel, Laura, Madalena, Matilde, Rosa, Victória.
Quantos aos uma pouco mais diferentes, temos os femininos: Germelia, Hentiana, Leocaldi, Marface, Rejelia, Rima, Saugeneta, Tenelia, Zubaida, Zaldina, Laquinisa, Delência, Eventina, Salita, Ismar, Emelina, Dêmica, Humaria, Ednércia, Zaina, Zaida, Yulica, Rojasse, Adozinda, etc
e os Masculinos: Zondinane, Momad, Issufo, Jable, Jossai, Adil, Olito, Fanequiço, Abdul, Abatu, Micas, Ebenizário, Magul, Manuessa, Matessuane, Agy, Milice, Egas, Chimahane, Querito, Lilito, Mussa, Cuamba, Abenildo, Camico, Canique, Somar, Xadreque, Belizardo, etc 
Bom, se você ainda tinha dúvidas do nome que gostaria de dar para o seu filho ou filha, quem sabe esse post não o/a inspirou.
Abraços.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O fascinante mundo das bicicletas

No meu último post comentei como me sinto um ET por aqui, especialmente quando ando de bicicleta. Pois é, essa semana estava dando minhas voltas e, aquela mesma história, todo mundo olhando eu passar.
Comecei a pensar, será que é só aqui que é assim? Me lembrei que no Brasil, quando comprei essa mesma bicicleta, usei pela primeira vez no interior de Minas. E era a mesma coisa. Ou seja, não era a cor da minha pele ou a bicicleta, mas o ciclista e o fascínio que o esporte traz, que fazem o mundo parar para ver.
No Brasil, o ciclismo ainda é um esporte pouco difundido e a bicicleta um meio de transporte ainda pouco utilizado. Falta de incentivo para a prática, preço dos equipamentos, mas principalmente, falta de estrutura nas cidades brasileiras impedem que o esporte e o meio de transporte cresçam por aí. Uma pena.
Pena porque em se tratando de meio de transporte, é o mais limpo de todos, e além disso o mais saudável. Invejo os países europeus em que as pessoas não têm carro e podem fazer tudo a duas rodas.
Pena porque como esporte, é fenomenal.
A prova disso é o Tour de France (Volta da França). Para quem não sabe essa é a mais famosa corrida de bicicletas do mundo. Acontece todo ano no mês de julho na França, mas passa por alguns países fronteiriços também. Criada em 1903, hoje envolve cerca de 200 competidores, e percorre durante 3 semanas cerca de 3500 km. Como infraestrutura, depois da Copa do Mundo e Olimpíadas, é considerado o maior evento esportivo do mundo. Milhares de pessoas desembarcam em terras francesas e em caravanas seguem o “Tour”, para apenas verem o pelotão passar durante alguns segundos (a média de velocidade é de cerca de 40 km/h e geralmente todo mundo fica junto). Mais uma vez, pergunto, mas por quê? A resposta que alcancei vem do brilho dos olhos das crianças que me vêm desfilando pelas ruas da Maxixe. É um fascínio inerente pelo ciclismo que todos nós temos desde criança. Afinal, um dos momentos mais marcantes da nossa vida são os primeiros tombos de bicicleta. É ali que finalmente adquirimos nossa primeira independência. É o desejo daquelas crianças tornarem-se independentes. Além disso, voltando para a análise do “Tour” é o limite humano posto em prova dia após dia. Que pena que hoje esteja mascarado pelo doping e outros motivos. Mas no começo, era apenas o homem, a bicicleta, a estrada e o alvo – chegar ao fim de mais uma jornada. 

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

ET no Mundo!


Você já se sentiu um ET nesse mundo? Se não, vem comigo para Moçambique. Basicamente, a população da província que moro (Inhambane) é constituída por mais de 95% de negros.  Dessa maneira, é raro encontrarmos brancos andando pelas ruas, pois os que existem, andam de carro. Assim, a sensação de ser um “gringo” faz parte da vida diária. Apesar de estarmos aqui a mais de 2 anos, toda vez que saio de casa, é como se um ser de outro mundo estivesse desfilando pela rua.
O hospital fica a 150 m da minha casa, na mesma estrada. Na frente do hospital, existe uma creche para os funcionários. Muitas crianças ficam brincando no pátio pela manhã, e apesar de passar ali todos os dias na mesma hora, sempre é a mesma coisa – um coro sem fim se inicia: “Tchauô, Tchauô... ou bye-bye”. Até mesmo os outros transeundes começam a rir da situação.
A minha atividade física por essas bandas é andar de bicicleta. Faço 2 tipos de rotas. Uma no asfalto até o centro da cidade. E outro, pela estrada de terra e areia para o lado contrário, ou seja, para os bairros. Como um bom cirurgião do trauma, eu aprendi que prevenção é o melhor remédio. Assim, eu sempre saio com luvas nas mãos e um bom capacete. Esse item de segurança aqui, não é visto nem entre os motociclistas. Então imagine, se apenas a cor da minha pele já me torna algo de outro mundo, associe com a bicicleta e aquele capacete bonito de ciclista. É um ET pedalando pelo mundo. Da mesma forma que as crianças na frente do hospital sempre me saúdam, quando ando de bicicleta é a maior festa. Quando vou na estrada de terra, rural, é uma história. Quando vou para a cidade, a mesma. Não apenas as crianças mexem comigo. Também os jovens, os homens e mulheres e até os velhos. A palavra que mais ouço é “mulungo – branco no dialeto Xitswa”. Mas também ouço, olha o ciclista, good morning, bye-bye, tchauô, yeê, etc, etc, etc.
Confesso que essa sensação é única. Muitas vezes é incômodo, outras vezes é simpático, a verdade é que a gente nunca se acostuma. No fundo vou sentir falta de sentir-me diferente. Se você acha que é muito indiferente a todo mundo aí no Brasil, faz assim, dá um pulo aqui na África e sinta-se como eu, um ET no mundo!