terça-feira, 24 de agosto de 2010

O Médico e o Monstro


Já ouviram falar da obra do autor Robert Louis Stevenson, Jekyll & Hyde?

Para quem nunca ouviu, trata-se de um médico (Dr. Jekyll) cientista que inventa uma fórmula mágica que o transforma inconscientemente num monstro (Sr. Hyde). Numa dessas transformações o monstro mata uma menina e faz outras atrocidades. Um advogado, amigo do Dr. Jekyll, investiga o crime e através de uma carta deixada pelo monstro, através da datilografia, desconfia tratar-se de seu amigo. Com o tempo e com as provas, Dr. Jekyll vai descobrindo que é a mesma pessoa que o Sr. Hyde. Com remorso das maldades realizadas por si, Dr. Jekyll decide não mais tomar a poção e começa a fazer obras de caridade. Em certo ponto, ele vê-se redimido, mas mesmo sem tomar a poção começa a sofrer a metamorfose involuntariamente. Como ele havia jogado fora a fórmula, não consegue inventar uma maneira de reverter as metamorfoses que tornam-se cada vez mais freqüentes. Percebendo que no fim tornar-se-ia Hyde permanentemente, Dr. Jekyll deixa um testamento dizendo que finalmente deixaria de ser um charlatão e tornar-se-ia em algo genuíno.
O discutido tema “o bem versus o mal” é a análise teológica mais freqüentemente discutida sobre esse livro. Mas eu não quero falar de coisas já discutidas, tampouco quero falar sobre teologia.
O que me fez a refletir sobre esse tema foi a minha própria figura, um cirurgião, um missionário, médico ou monstro?
A figura do missionário e do médico são míticas. Sinônimo de bom caráter, de caridade, de salvação.
A figura do cirurgião é mais controversa. Para alguns e para muito deles um “deus”. Para outros um terror. Existe coisa mais monstruosa que uma grande cirurgia. Todo aquele sangue derramado. Toda dor provocada. Por mais salvadora que seja, ninguém quer passar por uma.
O trabalho médico em terras africanas não é fácil. A carência de tudo, torna aquele que sabe um pouquinho mais num “deus”. Mas ninguém é “Deus”, temos limites técnicos, físicos, mentais e espirituais. O problema é uma questão de limites. O limite entre o que você sabe e o que você não sabe, entre o que você e o seu hospital suporta ou não. Muitas vezes, no hospital rural, esses limites são freqüentemente ultrapassados. Pergunto-me, estarei me transformando num monstro? Ou já sou um por natureza, por profissão?
A tentativa de salvação de uma vida também não é para qualquer um ou para qualquer lugar. As limitações estruturais também podem transformar um milagre num desastre. O que dizer das longas cirurgias de urgência que encontrariam uma vaga de CTI no Brasil e que aqui ficam ao bel prazer de técnicos de enfermagem (na maior parte das vezes 1 para cada 40 leitos!). Agora imagina essa situação, sem sangue disponível e/ou sem oxigênio e/ou com apagão noturno! Só a graça de Deus. E digo mais, ela existe. Prova disso é que muitos desses pacientes sobrevivem. Mas em outros casos... é o monstro atormentando mais uma vez.
Um monstro por não ter mais forças. Um monstro por não respeitar os limites. Quais são os limites dessa metamorfose? Será um sentimento de um missionário? Ou será um sentimento de um cirurgião? De um médico ou de um monstro? Limites... Deus me ajude.
Nota: para quem gosta de música, sugiro uma para reflexão:
Jekyll and Hyde – Petra
Posted by Picasa

3 comentários:

  1. To adorando ler o seu blog, Du...! Agradeço muito o seu tempo em compartilhar os seus pensamentos e dia-a-dia! Beijos, Dri

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  2. filho que bom que vc está tomando este tempo para compartilhar e fazer de sua vida uma história. Que Deus continue sustentando você e Claudia. Valeu a história do corte de cabelo. Cosegui dar umas boas risadas.

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  3. Caro amigo,permito-me chamá-lo de amigo pois está fazendo um trabalho meritório para as gentes da minha terra. Sou Moçambicano, nascido na capital e criado em Inhambane.Vivi em Moçambique até 1976,quando, com30 anos, tive que vir para Portugal, onde resido (na cidade de Faro, capital do famoso Algarve). Sempre que posso, vou a Moçambique matar saudades e espero poder visitá-lo na minha próxima visita à Terra da Boa Gente! Um abraço deste amigo.Venizelos

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