terça-feira, 5 de abril de 2011

Da falta ao abuso

Há mais de três meses não atualizo o meu blog. Desculpe-me por isso. Estão sendo meses de muitas transições que vão culminar com o meu retorno definitivo para o Brasil em alguns dias.
Entretanto, o que me inspirou escrever este post, foi a minha experiência no último mês em um hospital aqui nos EUA.
Após três anos de trabalho na África, havia me acostumado com a escassez de recursos materiais e humanos. Muito mais do que no Brasil, lá faltam coisas essenciais para o funcionamento do hospital como pessoal de enfermagem, água e luz. Imagina os demais suprimentos!
Mas aqui na “América” é um abuso. O hospital é mais do que um hotel 5 estrelas. Afinal, em que hotel, você tem dieta especial levada para o seu quarto, as vezes servido na sua boca? Aqui, o carrinho com latinhas de refrigerantes e copos com gelos são distribuídos para os pacientes na hora do jantar. Luvas, as enfermeiras chegam a gastar 10 pares para trocar um curativo de um mesmo paciente! Muitos hotéis hoje, pedem para que as roupas de cama e toalhas não sejam trocadas diariamente, de forma a economizar água e energia. Aqui, as mesmas são trocadas duas ou mais vezes por dia.
Mas o que mais me chocou foi as políticas dos descartáveis, especialmente no bloco cirúrgico, aonde passei a maior parte do tempo. Primeiro que quase tudo é descartável, mesmo aquilo que não precisaria ser. Por exemplo, aqui existem 2 tipos de compressas cirúrgicas, uma azul (maior – tipo um pano de limpeza de ótima qualidade) e a branca (menor, clássica). A maior parte desses suprimentos vem em um kit de acordo com a cirurgia. O problema é que vem muito mais que o necessário, e nada é lavado e reusado. Assim, mesmo que as compressas não sejam usadas, vai tudo para o lixo! Devido ao excesso, eu presenciei em uma operação o uso de mais de 50 compressas! Se fosse em Moçambique eu teria usado no máximo duas. Cinquenta compressas talvez daria para alguns meses lá (sem precisar lavar, e até 1 ano lavando). É esse tipo abuso, ou desperdício, que não entra no meu entendimento. Uma coisa é o país ser rico, e todo mundo sabe que os EUA como país é. Contudo, aqui muita gente sofre também sem acesso aos serviços de saúde, porque é muito caro. E não é difícil de pensar, começando pelo simples, porque é tão caro.
Para estender os exemplos do desperdício, posso citar o uso de uma caneta de cautério por cirurgia (na África uma dura 1 ano ou mais), milhares de outros instrumentos cirúrgicos de uso único (como grampeadores cirúrgicos, instrumentos de coagulação), desperdício de fios de sutura e outros equipamentos de uso dispensável.
O pronto socorro parece um linha de série de tomografias computadorizadas. Se o paciente chega com um mínimo problema que um simples Rx resolve, vai para a tomografia. Daí, poderia seguir. O pior é que as pessoas aqui sabem de tudo isso, até colocam em aulas, mas nada muda. Quando a cultura e a educação por anos já é baseada no desperdício, quando adultos é difícil reverter essa criação. Deus nos livre do “jeito americano”.

3 comentários:

  1. Eduardo, que bom que vc voltou a postar e voltou bem. Realmente aqui dói no coração desperdiçar qualquer coisa. Que venha o Reino de paz, alegria e justiça!

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  2. Olá, meu caríssimo compatriota, tudo bem? Conheci agora seu blog, pois estou em Moçambique já há alguns meses, pois sou missionário católico, na missão da Sagrada Família e me interessei por fazer uma pesquisa na net sobre brasileiros que estão em Moçambique... entretanto, gostaria de parabenizá-lo pelo blog e dizer que minha Congregação, que possui uma Universidade aqui em Maxixe, em parceria com a UP e o Hospital da Chicuque, pretende iniciar um curso de medicina aqui, nas proximidades do Hospital, precisamos de professores que doem um período de suas vidas para lecionarem neste curso, se você se sentir, seja bem vindo!!!! Mais uma vez, parabéns!!!! Deus nos abençoe!!!!

    Pe. Adailton Luduvico.

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  3. Prezado pe. Adailton, seria um przer participar desta empreitada, entretanto não estou mais em Moçambique desde o inicio do ano. Desejo as bênçãos de Deus para sua caminhada. Abraço.

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